Au pair in America: Como o programa é vendido, como é vivido e o que ele realmente é.
09:58
Por Estefani Lima*
Assim
como tudo na vida, nada é 100% alegria e nada é 100% tristeza; não seria
diferente com o Programa Au Pair in America. Para quem não sabe, esse
programa é SIM considerado trabalho doméstico. Porém, camuflado pelas condições
do visto J1. Calma, eu vou explicar
melhor!
Em
ordem de esclarecer algumas dúvidas e fazer desse artigo uma boa leitura, vou
separar por tópicos os assuntos abordados. Serão eles: a falta e a necessidade
de child care nos Estados Unidos, as condições que Au Pair x Host
Families enfrentam, as relações do governo com o programa, quem realmente sai
ganhando com o programa e a forma que ele funciona. Vou citar minha vida sendo
Au pair como um exemplo, na esperança de
que alguém se reconheça nas minhas palavras e sinta vontade de fazer diferença
no meio que vivemos. Independente desse programa ser de no máximo dois anos,
eu, como ser humano possuidor de direitos, me sinto na obrigação de expor as
falhas para que a próximas(os) Au pairs possam ter uma noção do que esse
programa realmente é.
Eu
demorei para entender que aupair é sim considerado trabalho doméstico, porque
meu visto é de estudante e foi para isso que eu vim: estudar, trabalhar part-time
e viver a cultura estadunidense. Na minha segunda semana nos Estados Unidos eu
passei por um Rematch. Um dos kids que eu cuidava tinha diabetes e a
família não sabia, meu inglês era horrível, o que dificultava a compreensão
entre eu e a minha família acolhedora. Fiquei mais duas semanas em rematch,
conversei com algumas famílias e acabei fechando com uma família de pais
separados com três crianças. A minha agenda no começo era de segunda à sexta,
com intervalo durante o dia e não precisava trabalhar aos finais de semana, não
precisava lavar as roupas das crianças (pelo menos ninguém me propôs isso nas
entrevistas), a família aparentava ser aberta e flexível. A mãe formada em
sociologia e o pai em psicologia, achei que seria uma relação madura devido ao
grau de educação deles. Porém, as coisas vão indo bem estranhas, foi o que me
motivou a pesquisar mais sobre esse programa e as obrigações legais entre
agência-participante-família acolhedora.
Há
uma imensa e, inicialmente obscura, dissonância no programa Au Pair in America.
Quando eu estava no Brasil procurando uma forma de melhorar meu inglês e
expandir horizontes, achei esse programa interessante, porém não sabia a quem
as prerrogativas realmente eram. O programa foi vendido como intercâmbio
cultural, a um preço acessível, pelo menos mais barato que os outros
intercâmbios que procurei na época. Uma Au Pair trabalha no máximo 45 horas por
semana e ganha no mínimo US$195,75. Nada mal para quem tem os padrões
brasileiros como medida de salário! Acontece que, muitas vezes esse valor não é
o suficiente para aproveitar e viajar pelo país como sugere os objetos do visto
J1. O programa requer algumas horas com experiências com crianças, o número de
horas depende do tipo de programa que você vai aplicar, no meu caso eu tinha
duas opções: Au Pair in America (o mais comum) e EduCare. Além de comprovar o
nível de inglês, precisamos também apresentar documentos médicos e psicológicos
mostrando que somos aptas(os) para cuidar de crianças e conviver com uma
família desconhecida. Em contrapartida, a família, quando aplica para o
programa, não precisa comprovar nem apresentar uma boa saúde psicológica ou
adequada para empregar uma Au Pair. Quando online, as cartas que lemos no
perfil das famílias mostram familiares lindos e unidos, crianças adoráveis a
aparentemente bem educadas, famílias que procuram alguém que possa atender e
amar as crianças e compartilhar de uma outra cultura enquanto experimenta a
cultura deles. Contudo, nós só descobrimos o quão sincero a carta de
apresentação, a agenda acordada no começo e a abertura para uma nova cultura
eram verdadeiras, quando aterrissamos em solo americano.
Com
o visto de estudante J1 somos consideradas(os) intercambistas, sendo assim
responsabilidade do Departamento de Cultura em vez de sermos responsabilidade
do Departamento do Trabalho. Embora quando precisamos de algo é para as nossas
LCC's que pedimos ajuda, é muito raro quando a LCC realmente quer ajudar a Au
Pair. Mas como disse no começo, vamos ter bom senso e razoabilidade e não
generalizar. As agências são registradas como empresas sem fins lucrativos mas
apenas famílias de classe média alta podem aplicar para o programa.
Trabalhando
45 hora por semana, com direito a 1.5 dia de folga por semana, duas semanas
remuneradas de férias à mercê da agenda da host family, fica difícil fazer
planos de viagens e até mesmo estudar. O que no meu caso foi difícil, demoramos
para entrar em acordo sobre horário e dia, e quando feito, a minha host family
mudou a agenda, o que gerou um grande stress entre nós, desgastando ainda mais
a política relação entre au pair e host family.
Não
é novidade para ninguém o quão child care é caro nos Estados Unidos, aliás,
tudo que é realmente importante aqui é meio caro, como por exemplo, healthcare,
universidades, taxas e tudo mais... mas se você quer gastar a vida comprando
maquiagem e refugo de roupa de marca você pode encontrar coisa por preço de
banana nas Tjmax da vida. Voltando ao assunto, au pairs, deêm uma olhada nas
declarações da famílias nos sites e vejam que um dos pontos fortes do programa
é o quanto isso é financeiramente acessível. Uma nanny aqui em Massachusetts
custa, normalmente, no mínimo 15 dólares/hora. Enquanto, se dividirmos 195,75
($) por 45 horas obteremos o resultado de 4,35 dólares/hora. Sei que não é todo
mundo que trabalha as 45 horas inteiras, e também esse valor é independente do
número de crianças que a au pair toma conta. Com a demanda de trabalho
crescente para os americanos e o empoderamento feminino, o ramo de cuidados
infantis teve uma grande ascensão. Assim as(os) imigrantes preenchem o papel do
governo a nessa economia imperialista.
Quando
falam que o empregado doméstico faz com que as outras profissões aconteçam,
isso vai além do que se pode perceber a primeira vista. Nós somos mal
remunerados, mesmo trabalhando para famílias de classe média, pessoas
financeiramente capazes de pagar um outro tipo de child care ou até mesmo pagar
melhores salários, enquanto a família da comunidade menos favorecida mal pode
proporcionar bons cuidados para os filhos(as), pois o governo raramente
proporciona cuidados infantis de qualidade e acessíveis aos enquadrados em
baixa renda.
Embora
existam coisas boas a se considerar, o programa é, em seu real objetivo, um meio
que o governo encontrou de suprir a necessidade de cuidados infantis no sistema
econômico americano, as au pairs entram nos Estados Unidos esperando uma vida
de intercambistas, as famílias esperam
uma nanny e trabalho doméstico acessível, e o governo, que sabe das
falhas do programa, espera que ninguém reclame, pois temos um prazo de estadia
no país.
Se
você também se revolta, mas em algum momento pensa: “Ahhh, deixa para lá, eu só
vou ficar nesse programa um ano ou no máximo dois!” pense que, se você falar,
mostrar o que acontece, talvez você não mude sua realidade, mas iniciará uma
nova e melhor realidade para outra pessoa. Afinal, se nós não falamos, não
lembrarmos os empregadores dos nossos direitos, como é que as pessoas que
possuem capacidade de nos defender saberão onde agir e como agir? Os direitos,
sejam eles quais forem, necessitam ser relembrados e praticados com frequência.
*Estefani Lima é brasileira e trabalha como Au
Pair na área de Boston. Ela pode ser contactada através do Grupo Mulher
Brasileira, mulherbrasileira@verdeamarelo.org
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